Genocídio legalizado: Senado tenta enterrar direitos indígenas sob comando de Alcolumbre

Genocídio legalizado: Senado tenta enterrar direitos indígenas sob comando de Alcolumbre

Em afronta direta ao STF e ao governo Lula, parlamentares aprovam PEC do marco temporal enquanto presidente do Senado mantém vínculos com cúpula do PCC


Por Redação | Amazônia Realidade

Brasília (DF) - Uma ofensiva histórica contra os povos originários avança no Congresso Nacional. Nesta terça-feira (9), o Senado Federal aprovou, em votação rápida e sem diálogo com as lideranças indígenas, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece o marco temporal de 5 de outubro de 1988 para demarcação de terras.

A medida representa não apenas uma afronta ao Supremo Tribunal Federal (STF) — que já declarou a tese inconstitucional — mas também um retrocesso civilizatório que ignora cinco séculos de resistência indígena e legitima o processo colonial de expropriação.

A nova fronteira do colonialismo parlamentar

Com 52 votos a favor e apenas 14 contra, a maioria do Senado decidiu que os verdadeiros donos desta terra — povos que aqui estavam milênios antes da invasão portuguesa — só terão direito ao que conseguirem provar que ocupavam em 1988.

A data é cruelmente simbólica: 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição que prometia "proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras". Trinta e seis anos depois, o próprio Congresso usa essa mesma Constituição para enterrar direitos ancestrais.

Na prática, comunidades inteiras que foram expulsas de seus territórios por madeireiros, garimpeiros e fazendeiros antes de 1988 — muitas vezes sob ameaça de morte — perderão o direito de retornar ao seu lar ancestral. É a consagração jurídica do êxodo forçado.

Alcolumbre: o arquiteto da afronta

No centro desta ofensiva está o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Como revelou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Alcolumbre pautou a PEC em uma "tentativa de queda de braço com o Supremo".

A tensão entre Alcolumbre e o STF não é nova. Na semana passada, o senador se irritou com a decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender artigo que permitia denúncias diretas contra ministros da Corte. Agora, transforma o plenário do Senado em trincheira contra decisões judiciais.

Mas o histórico de Alcolumbre vai além de disputas institucionais. O parlamentar tem vínculos documentados com Beto Louco, membro da cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC) que atualmente se encontra foragido. Enquanto trava batalhas políticas no Congresso, suas associações com o crime organizado revelam um projeto de poder que transcende as instituições democráticas.

A exclusão como método: indígenas impedidos de assistir à própria condenação

O desprezo pelos povos originários foi demonstrado de forma simbólica durante a sessão: indígenas foram impedidos de acompanhar a votação da galeria do plenário, espaço reservado a visitantes. O grupo assistiu à sessão pelo celular, do lado de fora, enquanto senadores decidiam seu destino.

Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib, denunciou: o grupo não teve aval da Presidência do Senado para entrar. É a metáfora perfeita do processo: aqueles mais afetados pela decisão foram excluídos do debate sobre seus próprios direitos.

A farsa do "consenso" e o duplo ataque ao STF

A estratégia de Alcolumbre e seus aliados é dupla:

1. Tornar lei federal o que o STF já declarou inconstitucional (feito em 2023)

2. Agora, incluir a tese na Constituição para dificultar futuras revisões judiciais

Enquanto isso, quatro ações sobre o tema aguardam julgamento no STF, todas relatadas pelo ministro Gilmar Mendes. Nesta quarta (10), a Corte começará a ouvir as manifestações das partes.

Paralelamente, o plenário do STF ainda decidirá se referenda uma proposta alternativa, construída com participação tanto de indígenas quanto do agronegócio. Mas a votação da PEC no Senado claramente busca antecipar-se e pressionar a decisão dos ministros.

O projeto de poder por trás do marco temporal

A PEC do marco temporal não é apenas uma questão fundiária. É parte de um projeto político maior que:

· Fragiliza o STF e sua função de guardião da Constituição

· Desafia o governo Lula em sua promessa de demarcar terras indígenas

· Beneficia setores do agronegócio interessados em expandir fronteiras agrícolas sobre territórios tradicionais

· Consolida alianças entre parlamentares e interesses econômicos historicamente conflitantes com direitos indígenas

A resistência que persiste há 524 anos

Os povos originários sobreviveram ao genocídio colonial, às doenças trazidas pelos invasores, às missões catequéticas, aos ciclos econômicos de exploração. Agora enfrentam uma nova ameaça: a tentativa de apagar seu direito à terra por meio de uma data arbitrária em um documento que chegou a estas terras cinco séculos depois deles.

Como disse o cacique Raoni Metuktire em recente manifestação: "Nós estávamos aqui muito antes de 1988. Nossas pegadas estão nessas terras desde que o mundo é mundo".

O Senado pode aprovar PECs, o STF pode julgar ações, mas uma verdade permanece: nenhuma data pode apagar milênios de presença. Nenhum voto parlamentar pode revogar o direito ancestral.

A batalha agora segue no STF e, se necessário, nas ruas, nas florestas e na consciência de todos que sabem que o Brasil só será verdadeiramente democrático quando respeitar seus primeiros habitantes.

Foto: Reprodução TV Senado 

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