No filme de Esmir Filho, o artista se transforma em espelho do Brasil: nu, corajoso e profundamente humano
Por Dario Matos
Manaus(AM) - Nesta quinta-feira de maio (16), Maria me ligou no fim do expediente: “Bora ver um filme?” — e é claro que aceitei. Os conservadores sussurram nos cantos: “De novo?”, como se fosse pecado buscar arte no meio do caos. Não demos bola. A gente já engoliu sapo demais hoje — o sistema empurra, a gente tenta digerir.
Fomos ao cinema. No cartaz, Homem com H. Sinopse direta: “A história de Ney Matogrosso, da infância à maturidade, do artista ao homem.” Eu já sabia de Ney a voz — talvez a mais bonita do Brasil — e que os Secos & Molhados tinham deixado dois gringos malucos (Paul Stanley e Gene Simmons) tão inspirados que fundaram o KISS logo depois de ver o Brasil cuspir purpurina e revolta.
Mas o que vimos ali foi mais. Não era só Ney. Era a gente. Era o Brasil. Era aquela sensação de estar nu em praça pública e não sentir vergonha. Porque o Ney de Esmir Filho — diretor que não gosta de caminhos fáceis — é um Ney inteiro, e isso é muito dizer. Esmir, que já tinha mostrado força nos curtas Alguma Coisa Assim e Saliva, agora constrói um longa onde tudo pulsa: a repressão, o grito, o prazer, o medo, o corpo. Ney emerge como um bicho livre — uma pantera, talvez — forjado entre a tortura do regime e o desejo de viver dançando.
A fotografia saturada de Azul Serra não economiza luz nem cor. Azul, vermelho, roxo, dourado — tudo grita junto. Serra, conhecido por Cangaço Novo e Senna, cria um clima que é ao mesmo tempo cabaré e campo de batalha. Um cenário onde Ney brilha como estrela e resistência. Entre uma explosão visual e outra, a leveza de Rosa de Hiroshima paira. Quase como um alívio. Quase como um choro.
Jesuíta Barbosa — ah, Jesuíta! — nos entrega um Ney que não imita, mas incorpora. Despido de pudores ou vaidades, ele nos oferece não um ator, mas um corpo-templo, onde se reza à liberdade. Sua atuação é um convite: “Lembra de quando éramos crianças? Quando ainda éramos puros?” A tela responde com silêncios e suor.
Homem com H é mais que um filme: é documento, é performance, é revolução embalada em glitter. Inspirado na biografia escrita por Julio Maria, o longa da Paris Filmes chegou às telonas em 1º de maio de 2025 — e que estreia bem escolhida. Dia do Trabalhador. E não é o artista, também, um trabalhador do impossível?
Saímos do cinema de mãos dadas, Maria e eu, como quem andou no tempo e voltou mais leve. O filme ainda latejava na pele. Ney nos lembrou que liberdade não é luxo. É urgência. É luta.
Apoie o cinema brasileiro. Apoie a arte que nos desamarra. Porque, no fim, a história de Ney é também a nossa: um grito contra a caretice, contra a violência, contra o silêncio. Um grito com H de humano.
Foto: Paris Filmes/Divulgação
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