Ataques coordenados por “milícia digital” expõem o vazio regulatório da internet brasileira e a urgência de leis que protejam mulheres na política
Por Redação | Amazônia Realidade
Brasília (DF) - A senadora maranhense Ana Paula Lobato (PSB) tornou-se alvo de uma onda de ameaças de morte em suas redes sociais, num claro caso de violência política de gênero. Os ataques, que a levaram a acionar a Polícia Federal e a Polícia Legislativa do Senado, surgiram como retaliação direta à ampla repercussão de seu projeto de lei que criminaliza a misoginia.
“Após a repercussão do nosso projeto de lei que criminaliza a misoginia, recebemos graves ameaças em nossas redes. Absurdo e covarde”, denunciou a parlamentar. “Ameaças de morte não nos intimidam nem vão calar a nossa luta. Quem ameaça será responsabilizado na forma da lei”.
O episódio evidencia uma prática crescente no cenário nacional: a ação de grupos organizados – as chamadas “milícias digitais” – que se valem do anonimato e de perfis falsos para silenciar vozes femininas através do medo e da intimidação. Esta violência ocorre em um território ainda marcado pela falta de regulação específica, onde a impunidade muitas vezes é a regra.
O Vazio Regulatório e a Estratégia do Anonimato
A agressividade coordenada contra a senadora expõe a ferida aberta do ambiente digital brasileiro. Na ausência de uma legislação robusta que discipline o espaço virtual, criminosos se escondem atrás de perfis falsos para cometer uma série de ilícitos, incluindo ameaça, calúnia, difamação e injúria racial e de gênero.
As leis atuais em vigor no Brasil já preveem punições para tais condutas, mas elas se mostram, com frequência, insuficientes para o mundo virtual:
· Ameaça (Art. 147 do Código Penal): Pena de detenção de 1 a 6 meses, ou multa. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, é crime, mas a investigação torna-se complexa quando feita por perfis anônimos.
· Injúria (Art. 140, §2º do CP): Pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, quando a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. É aqui que o projeto da Senadora Lobato busca um avanço crucial, ao incluir a misoginia explicitamente como qualificadora.
· Calúnia (Art. 138 do CP) e Difamação (Art. 139 do CP): Ambos são crimes contra a honra, com penas que variam entre detenção e multa.
A grande dificuldade reside em identificar e responsabilizar os autores, que operam em redes complexas, muitas vezes com contas descartáveis, explorando justamente a lentidão e as limitações técnicas das investigações policiais.
O Projeto de Lei como Resposta e o Previsível Contra-Ataque
O projeto de autoria da Senadora Lobato, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, busca preencher esta lacuna legal. A proposta tipifica a misoginia como crime, equiparando-a à discriminação por raça ou religião, com previsão de pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa.
“Não há uma resposta penal específica, mais severa, para a injúria praticada em razão de misoginia, crime cada vez mais frequente. Da mesma forma, o ordenamento não pune a disseminação de discursos misóginos, que contribuem para o aumento das violências físicas praticadas contra as mulheres”, justificou a senadora.
A procuradora da Mulher no Senado, Augusta Brito (PT-CE), repudiou veementemente os ataques. “Esses atos covardes configuram violência política de gênero e representam uma reação direta ao avanço de um projeto fundamental”, afirmou. “A Procuradoria da Mulher está acompanhando o caso e tomando todas as medidas cabíveis para garantir que os autores sejam devidamente responsabilizados. Não aceitaremos o silenciamento de mulheres na política. A democracia brasileira precisa de mais vozes femininas — não de mais medo”.
A luta da Senadora Ana Paula Lobato transcende a defesa de um projeto de lei; é um enfrentamento direto à cultura de ódio que encontra no ambiente digital desregulado seu terreno fértil. O caso se torna um símbolo da urgência de se combater não apenas a misoginia, mas também os instrumentos que a milícia digital utiliza para perpetuá-la e amplificar seu poder de intimidação.
Fonte: ICL Notícias
Foto: Divulgação

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