Brasilia (DF) - A cena que se desenrola em Brasília é de um cinismo tão profundo que beira a comédia. O mesmo Centrão que, há poucas semanas, trabalhou para enterrar a Medida Provisória 1.303 – que compensaria a alta do IOF e garantiria R$ 35 bilhões em receitas – agora corre em desespero para tapar o buraco que ele mesmo cavou. O motivo? O rombo ameaça o que há de mais sagrado para a fisiologia pura: as emendas parlamentares, a moeda de troca que alimenta suas bases eleitorais e sustenta seu projeto de poder.
Em um movimento que um parlamentar, anonimamente, resumiu com perfeição à reportagem: “O Centrão acabou dando um tiro no próprio pé”. A bala? O rombo de R$ 35 bilhões que, sem a devida compensação, obriga o governo a cortar justamente a gordura que mantém a máquina política do bloco bem lubrificada.
A artimanha que saira pela culatra
A estratégia do bloco era clássica: pressionar o governo, demonstrar força derrubando uma medida e, na sequência, negociar de uma posição de poder. O cálculo, porém, ignorou um detalhe fundamental: sem dinheiro no caixa, não há o que negociar. A realidade econômica, implacável, mostrou suas garras.
Agora, a prioridade do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e de seus aliados não é o ajuste fiscal pelo bem do país, mas um "esforço concentrado" de duas semanas para salvar o próprio butim. A fala da ministra Gleisi Hoffmann (Relaciones Institucionais) nos bastidores foi um banho de água fria: os cortes nas emendas são "inevitáveis", não por revanche, mas por pura falta de dinheiro. A conta chegou, e quem aprovou a farra agora é chamado a pagá-la.
O discurso da "responsabilidade" para salvar privilégios
O espetáculo é revelador. Deputados que há pouco flexibilizavam seus músculos contra o Palácio do Planalto, de repente, vestem o manto da responsabilidade fiscal. Falam em "taxar as bets" e cortar o "Bolsa Milionário" – pautas nobres, sem dúvida –, mas o motor por trás da súbita diligência é o pânico de ver secar a torneira de onde jorra seu capital político.
A defesa de deputados governistas, como Rogério Correia (PT-MG), sobre a importância da sustentabilidade fiscal soa verdadeira. Mas a adesão repentina e "concentrada" do Centrão a essa agenda desmascara suas reais intenções. Eles não estão preocupados com o "país que se desenvolve" ou com "políticas públicas para todos", como disse Pedro Campos (PSB-PE). Estão preocupados em garantir que o troco, no final do dia, chegue intacto aos seus redutos eleitorais.
O alerta final: quem legislou contra o próprio povo
O episódio serve como um alerta cristalino para o eleitor brasileiro. Enquanto você se preocupa com o preço do pão, do gás e com a busca por um médico no SUS, um grupo de parlamentares no Congresso gasta suas energias em um jogo de poder onde a única moeda é o seu dinheiro.
Eles primeiro criam o problema (o rombo), depois se apresentam como a solução (a recomposição) e, no final, esperam ser recompensados nas urnas em 2026 pela "obra" de recompor o orçamento que eles mesmos sabotaram.
A lição que fica é uma só: o Centrão não tem lado, não tem projeto, não tem ideologia. Tem apenas interesse. E o seu interesse é incompatível com o interesse nacional. Em 2026, o povo brasileiro precisa lembrar com clareza meridiana quem são os políticos que, em um momento de desafios, brincaram com as contas públicas e, no desespero para salvar suas emendas, demonstraram que legislam única e exclusivamente em causa própria. A memória eleitoral é a arma mais poderosa contra essa artimanha.
Fonte: Câmara dos Deputados
Foto: Kayo Magalhães/ Câmara dos Deputados
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