Florestas preservadas garantem alimento e cultura aos povos amazônicos, revela estudo publicado na Nature

Florestas preservadas garantem alimento e cultura aos povos amazônicos, revela estudo publicado na Nature

Pesquisa com participação do Inpa mostra que desmatamento acima de 70% reduz em 67% a disponibilidade de animais silvestres e ameaça a segurança alimentar na região


Por Redação | Amazônia Realidade

Manaus (AM) -  A segurança alimentar de milhões de moradores da Amazônia depende diretamente da saúde da floresta. É o que aponta um estudo inédito publicado na revista Nature, com participação de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e da RedeFauna, que investigou quase 60 anos de dados sobre a caça de animais silvestres no maior bioma tropical do planeta.

O levantamento identificou 490 espécies consumidas em comunidades indígenas, tradicionais e ribeirinhas de nove países amazônicos. Dessas, 20 grupos respondem por 72% dos animais caçados, com destaque para queixada, anta e paca — esta última, a espécie mais caçada em toda a região.

Desmatamento ameaça proteína essencial

O estudo alerta para o impacto direto do desmatamento na dieta das populações rurais. Em áreas com mais de 70% de floresta perdida, a quantidade de animais e a produtividade da carne caem 67%. Nas regiões degradadas, prevalecem espécies generalistas, como tatus, capivaras e pombas, que conseguem sobreviver em ambientes fragmentados — geralmente próximos a centros urbanos, onde a pressão por proteína animal é maior.



A pesquisa estima que a carne de mamíferos, aves, répteis e anfíbios produzida pela caça tradicional é suficiente para suprir quase metade das necessidades diárias de proteína e ferro de 11 milhões de habitantes rurais da Amazônia. Também representa fonte crucial de vitaminas do complexo B e de zinco, essenciais para a saúde humana.

Conhecimento tradicional sustenta a conservação

Segundo André Antunes, primeiro autor do estudo e pesquisador da RedeFauna, a caça tradicional é regulada por regras e conhecimentos ancestrais. “Proteger a Amazônia é vital não apenas para conservar a biodiversidade, mas para garantir saúde, bem-estar, segurança alimentar, soberania e a continuidade dos modos de vida de milhões de habitantes”, afirma.

O artigo é assinado por 59 pesquisadores de instituições brasileiras e internacionais, incluindo cientistas indígenas de dez povos da Amazônia — como Suruí, Paumari, Katukina, Baniwa, Waurá, Apurinã, Tikuna, Kaxinawá, Kuikuro e Kaixana — além de extrativistas.
A participação indígena é destacada pelo pesquisador Baniwa, Dzoodzo Baniwa: “É uma reparação histórica que valoriza nosso protagonismo e garante presença ativa e colaborativa na produção científica. A diversidade de saberes dos povos da Amazônia é fundamental para o avanço da ciência e da conservação”.

Valor econômico invisível

A caça silvestre movimenta uma produção estimada de 0,37 milhão de toneladas de carne comestível por ano — o equivalente a um valor econômico aproximado de US$ 2,2 bilhões, se comparado aos preços atuais da carne bovina.

A Amazônia conta com mais de 2 milhões de caçadores indígenas e tradicionais, responsáveis pela manutenção de sistemas alimentares que integram caça, pesca, agricultura itinerante e criação de animais domésticos.

Substituir carne silvestre gera impacto ambiental gigantesco

O estudo alerta que substituir a carne silvestre por carne bovina exigiria a conversão de até 64 mil km² de floresta em pastagens, liberando 1,16 bilhão de toneladas de CO₂ — cerca de 3% das emissões globais anuais. Além disso, carnes de animais domesticados, especialmente frango, possuem níveis muito menores de ferro, zinco e vitaminas essenciais.

Os autores classificam como “visão colonialista” qualquer proposta que busque proibir ou substituir a carne silvestre sem considerar o contexto sociocultural amazônico. Para eles, o manejo sustentável da fauna, considerando a caça tradicional, é o caminho que concilia conservação e direitos dos povos da floresta.

Pesquisa baseada na união de saberes

O trabalho utilizou um banco de dados conhecido como Marupiara — termo tupi que significa “caçador virtuoso” — construído a partir de informações coletadas em 342 comunidades do Brasil, Peru e Guiana, além de mais de 200 estudos científicos que registraram 447 mil eventos de caça ao longo de seis décadas.
A pesquisa recebeu apoio de duas das maiores entidades representativas da Amazônia: a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), que destacaram a relevância histórica da participação direta dos povos tradicionais na produção científica.

Fonte: Ascom/Inpa-MCTI
Fotos: André Antunes / RedeFauna

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem

TCE AM

http://www2.tce.am.gov.br