Em nome de quem? O pastor, os palavrões e a grande hipocrisia

Em nome de quem? O pastor, os palavrões e a grande hipocrisia

Ao trocar a cruz pela espada política e o amor pelo ódio, líderes como Malafaia traem os fundamentos do evangelho que juram pregar.

Por Redação|Amazônia Realidade 

A figura do pastor, dentro da tradição cristã, é historicamente associada ao guia espiritual, ao homem que deve espelhar, ainda que de forma imperfeita, os ensinamentos de Cristo: amor ao próximo, humildade, perdão e integridade. No entanto, os recentes áudios do pastor Silas Malafaia, divulgados no âmbito de uma investigação da Polícia Federal, escancararam uma realidade perturbadora: a de um líder religioso que parece ter trocado o púlpito por um comando de guerra política, e as sagradas escrituras por um manual de estratégia e insultos.

O escândalo do linguajar: o "fiel" que soa como o mundo

A exposição de Malafaia usando uma "série de termos chulos" e chamando um aliado de "babaca" não é meramente uma questão de puritanismo linguístico. É a ruptura de um contrato tácito com seus fiéis. A base do testemunho cristão reside na ideia de ser "sal da terra e luz do mundo" – um diferencial moral e ético. O que se ouve nos áudios, no entanto, é a linguagem crua e agressiva comum aos bastidores da politicagem mais rasteira, destoando completamente do discurso público de moralidade que ele e outros líderes proclamam.

O choque da comunidade evangélica, como relatado, é a reação natural de quem se sente traído. Se um pastor, em sua privacidade, fala da mesma forma que aqueles que são constantemente apontados como "mundanos" ou "perdidos", qual é, de fato, a diferença? A fé corre o risco de se tornar apenas uma capa, uma marca para um produto que, em sua essência, é igual a todos os outros.

A falácia do "Mea Culpa" Estratégico: o perdão como escudo

A reação de Malafaia foi um primor de manipulação retórica. Ele inicia com um mea culpa superficial – "eu erro", "quem não tem pecado..." – apelando para a doutrina cristã do perdão de uma forma distorcida. É o que se pode chamar de "pecado calculado": comete-se a falha na expectativa de que a graça divina e a ingenuidade dos fiéis servirão como rede de proteção.

No entanto, o verdadeiro arrependimento cristão é acompanhado de mudança de comportamento (metanóia). Malafaia, porém, não demonstra isso. Ele usa o pedido de desculpas não como um fim, mas como uma ponte para seu verdadeiro objetivo: o contra-ataque.

A inversão clássica: de réu a acusador

Após o falso arrependimento, o pastor rapidamente muda o foco do seu pecado confessado (o linguajar) para o suposto crime dos outros: a violação de sua privacidade. Ao chamar seus críticos de "hipócritas", ele executa a clássica manobra de quem não tem como se defender do conteúdo da acusação: ataca o processo.

A referência à "Gestapo de Alexandre Moraes" é particularmente reveladora. É uma analogia carregada de ódio e vitimização, que busca equiparar a ação legal de uma polícia que cumpre mandado à perseguição brutal dos nazistas. Essa retórica inflamada e sem proporção é o oposto completo da moderação e da busca pela paz pregadas por Jesus.

A traição ao Evangelho: onde ficou o amor?

O cerne da crítica não está apenas no palavrão, mas na postura que ele simboliza. Jesus, diante de seus acusadores, permaneceu em silêncio. Jesus, ao ser crucificado, pediu perdão aos seus algozes:

 "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem". 

A figura de Cristo é a da vulnerabilidade que vence pelo amor, não da agressividade que tenta vencer pela força e pela intimidação.

Malafaia, ao se aliar incondicionalmente a um projeto de poder, ao participar de articulações para "coagir o STF" e, por fim, ao responder com ataques e justificativas, posiciona-se no polo oposto desse evangelho. Ele prega a ética do poder, não a potência do amor; a lei do mais agressivo, não a bem-aventurança dos pacificadores.

A Língua denuncia o coração

A pergunta que fica para cada fiel é: este é o reino que querem construir? Um reino onde líderes espiritualizados agem como operadores políticos, onde a privacidade é usada como escudo para a má conduta e onde o nome de Cristo é invocado para legitimar ódio, divisão e a mais pura hipocrisia?

O verdadeiro escândalo não são os palavrões vazados, mas a exposição de uma triste realidade: a de que a língua apenas vocaliza o conteúdo do coração. Como alerta o Evangelho de Lucas, 6:45: "A pessoa boa do bom tesouro do seu coração tira o bem, e a pessoa má do mau tesouro do seu coração tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração."

As palavras reveladas foram, portanto, mais do que um deslize momentâneo; foram um diagnóstico. O pastor, que deveria ser um farol, arrisca-se a ser apenas mais um naufrágio na tempestade política brasileira, sua linguagem servindo como um sinal de distress de um coração que parece ter se afastado do primeiro amor.

Foto: Reprodução/Internet 

Post a Comment

Postagem Anterior Próxima Postagem

TCE AM

http://www2.tce.am.gov.br