Sem debate público, Prefeitura de Belém aprova a Lei 10.143 e decreta o encerramento da Escola Bosque, referência em ensino ambiental
Por Dário Matos
Belém (PA) - No coração da ilha de Caratateua, em Belém, uma escola que simboliza a integração entre educação e meio ambiente teve seu fim decretado. Criada nos anos 1990, a partir da luta popular para preservar a área contra a especulação imobiliária, a Escola Bosque (Funbosque) foi oficialmente extinta pela Lei 10.143, sancionada pelo prefeito Igor Normando — sem consulta pública e sem diálogo com a comunidade escolar. No lugar do projeto, a prefeitura pretende instalar mais uma unidade das chamadas “Usinas da Paz”, um programa financiado por mineradoras que tem gerado controvérsias.
A decisão marca um retrocesso significativo na educação ambiental da Amazônia, já que a Funbosque não era apenas uma escola, mas um centro de pesquisa e formação que promovia o desenvolvimento sustentável da região. Entre seus principais projetos estavam o ensino médio com foco em conservação ambiental, a Escola da Pesca — que qualificava jovens ribeirinhos para atividades pesqueiras de forma sustentável — e os programas comunitários do Ecomuseu, do Centro de Desenvolvimento Comunitário (CDC) e do Centro de Pesquisas Pesqueiras (CPP).
Agora, com o desmonte da Funbosque, milhares de alunos e professores serão realocados sem planejamento adequado, comprometendo a continuidade de suas formações.
Da resistência à desapropriação: a história da Funbosque
A Escola Bosque nasceu da luta popular. No início dos anos 1990, uma empresa imobiliária tentou lotear a área onde hoje está localizada a sede da instituição, mas a mobilização de jovens, ativistas e pesquisadores impediu a destruição do território. Com apoio do sociólogo Mariano Klautau e de órgãos ambientais, o local foi reconhecido como área de preservação.
O sonho inicial era a construção do segundo bosque municipal de Belém, mas o projeto evoluiu para algo ainda maior: uma escola pública inovadora, que ensinaria os alunos a partir da vivência com a floresta e os rios. Em 1993, Klautau doou o projeto à prefeitura, que, sob o comando do então prefeito Hélio Gueiros, deu início à construção da Escola Bosque. Desde então, diversas gestões passaram pela administração municipal sem ameaçar a continuidade do projeto — até agora.
Por que extinguir uma escola referência em plena COP 30?
O anúncio do fim da Funbosque acontece às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que será realizada em Belém em 2025. O evento coloca a cidade no centro do debate ambiental global, tornando a decisão da prefeitura ainda mais contraditória. “É um absurdo sem precedentes extinguir um projeto referência em educação ambiental justamente quando a cidade precisa demonstrar compromisso com a sustentabilidade”, afirma Raimundo Vasconcelos, morador da ilha e um dos fundadores da Funbosque.
Outro ponto polêmico é a substituição da escola por uma Usina da Paz, projeto do governo estadual financiado por mineradoras que operam na Amazônia. Críticos apontam que essas empresas utilizam os espaços para promover uma imagem positiva, enquanto continuam explorando recursos naturais de forma predatória. “A Usina da Paz pode ter um nome bonito, mas é uma contradição enorme acabar com uma escola ambiental para colocar no lugar um projeto ligado a mineradoras”, denuncia um professor da Funbosque, que preferiu não se identificar.
O impacto para alunos e professores
Além da desativação da estrutura física, a Lei 10.143 causará a realocação forçada de alunos e professores. Sem planejamento adequado, os estudantes perderão o ambiente de ensino especializado que tinham na Funbosque. “Meu filho está no ensino médio lá. Agora, vai ser transferido para outra escola sem qualquer adaptação ao currículo que ele tinha antes”, lamenta Maria Silva, mãe de um ex-aluno da Funbosque.
Os professores também enfrentam dificuldades. Muitos foram redistribuídos para outras unidades da Secretaria Municipal de Educação (Semec), mas sem garantia de que continuarão lecionando na mesma área de especialização. “Dediquei anos da minha vida à Funbosque, formando alunos com uma abordagem única. Agora, fui jogado em outra escola sem nenhuma explicação”, critica um educador que pediu anonimato.
A luta continua
Apesar da decisão oficial, movimentos sociais, ex-alunos, professores e moradores da ilha continuam mobilizados contra a extinção da Funbosque. Protestos já começaram a ser organizados, e há pressão para que a questão seja revisada. “A história da Funbosque não será apagada por uma canetada. Vamos lutar até o fim para reverter essa decisão”, afirma Raimundo Vasconcelos.
Para quem ajudou a construir a Funbosque, a escola pode ter sido desmontada no papel, mas sua essência continua viva na memória e na resistência de quem acredita que educação e meio ambiente devem andar juntos.
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